sábado, 18 de agosto de 2007

As Palavras da Maria

Maria.

Sentou-se à mesa, frente a um bloco de papel, uma xícara de café, passou seus dedos suavemente pelo mármore da mesa até suas opções para a escrita. Dedilhou sobre lápis, pentel, diversas canetas, stabilo. Enfim escolheu seu nanquim. Uma caneta de nanquim descartável. Descartável como a carta que ela estava prestes a escrever, entre outras coisas.

“Pai, gostaria que você soubesse como eu senti falta de nossa casa todos esses anos que estou longe, e são muitos...”

Maria nunca tinha escrito para o seu pai, ela tinha a sua própria ordem, mas agora precisava dizer coisas a ele.

“não sei até que ponto eu deveria me revelar. Isso parece mera conseqüência de não saber exatamente o que revelar. Por isso, creio, preciso retornar à você. Não sei se me indisponho com a minha natureza ou se renego meus antecedentes”

Seu pai não entenderia nada disso, pensaria que nessa moda da cidade grande, sua filha iria lhe revelar ser uma moça... daquelas, sabe? Que saem com outras moças. Não são somente amigas.

“algumas vezes tudo que tenho aqui não é bastante, opções em demasia distorcem o que realmente eu queria e começo a me perguntar: O que eu realmente queria era o que eu queria? Ou o que o senhor gostaria?”

Definitivamente, no calor do norte ao ler essas palavras passaria a mão na testa já suada e quase se conformaria com a enfermidade do mundo moderno que sua filha Maria aceitará como dela e agora tava era arrumando um jeitinho de dizer isso com meia dúzia de palavras bem arranjadas.

“sou uma menina do interior, criada pela tv e quer ser totalmente cosmopolita. Por mais que eu tente não chegarei aonde gostaria, sou exonerada dos grupos que tento fazer parte, tenho amigos espalhados por aí, algumas vezes me tratam como se fosse eu merecedora de piedade.”

Nada do que seu pai pensará era verdade. A folha se virou nas muitas palavras que Maria escrevia, e o nanquim marcando o verso da folha. As palavras iam além das citações neste texto.

“Sinto falta dos tempos em que corria num vestido rodado e o achava lindo. Hoje sei o quanto ele era péssimo, mal acabado, de mau gosto. Era o gosto da mamãe.”

Uma longa pausa foi feita por Maria, quase mumificada olhando a folha de papel. Nada prestava, nada era capaz de expor o que ela queria. Gerava um bloqueio, estava péssimo e ela sabia disso, uma desordem de palavras, que a Maria de vestido rodado achava lindo, cheio de palavras como falavam as mocinhas das novelas. Pegou subitamente de volta sua caneta descartável de nanquim.

“Sinto-me obrigada a escrever-lhe papai, sinto-me desesperada, entristecida, perdida....”

Palavras pobres, pobres, pobres, não proclamavam o que ela queria. Imcapaz de expressar seus sentimentos.

"Não sei se originalmente nunca tive talento para pôr meus pensamentos em palavras , ou se o que está acontecendo comigo é apenas uma avalanche de sentimentos tão pobres quanto as palavras."

Lançou então para longe aquela caneta tão descartável quando ela. Uma droga, uma merda igual a ela. Uma farsa, uma mentira.

Amassou, então, a folha de papel... tomou o seu café. Acendeu um cigarro. Ergueu a cabeça. Ajeitou sua calça de linho. Olhou seu sapato de pelica. E seguiu em frente, forjando ser aquilo. O Que ela acreditava querer ser.

2 comentários:

Anônimo disse...

Caramba Hanna, texto maravilhoso... e sinceramente não estou apenas babando seu ovo.
Você escreve muito bem!!

beijo, linda.

Anônimo disse...

Hanna, seja quem for, eu realmente não estou babando seu ovo. Esse texto é òtimo! Achei que devia lhe dizer isso, do que apenas ler me impressionar e simplesmente ir.

Um abraço
Onde quer que esteja.

Ass: Renan Pinto